Os ensaios de Schopenhauer, sempre coerentes e ácidos, servem como reflexão para o que vai além da erudição. O filósofo cria questionamentos sobre o pensar de linguagens em geral e eu, como estudante de artes visuais, tentei trazer o debate para a linguagem visuale para o estudo da história e teoria da arte.
Nos primeiros parágrafos, Schopenhauer se dedicada a criticar a erudição pomposa, pautada em muitas citações, nomes e no uso da ciência como meio de conseguir prestígio, o que faria com que esta se tornasse menos pura, menos sedenta pelo conhecimento do objeto estudado. Schopenhauher critica os que leem demais (
trop), a ponto de embrutecerem suas ideias em ideias já cristalizadas. Critica eruditos que têm a ciência como adorno, como vontade de parecer, escrever, ensinar - para ele, o mais puro da ciência é o conhecer e a paixão por isso.
Os nove primeiros parágrafos que se dedicam a isso podem ser comparados aos artistas academicistas e galeristas, preocupados em citarem artistas consagrados não por paixão ao que eles fizeram, mas pelo prestígio e pela pompa. Esse paralelo com é a arte de nicho, a arte que fecha os olhos para manifestações artísticas diversas ao redor do globo e enxerga o diferente como exotismo. O exotismo traz uma ideia de "normal" no outro gume da faca.
É claro que a crítica de Schopenhauer parece, como sempre, muito amargurada - a assim pôe-se a parecer também meu paralelo.
No décimo parágrafo, Schopenhauer cria um antagonismo entre professores e estudiosos independentes. Para ele, o professor tem vantagem em reconhecimento por parte de seus contemporâneos, mas acaba preso à ideias consolidadas de estudiosos passados, não libertando sua mente e expandindo suas ideias. O estudioso independente, por sua vez, está fadado a passar sua vida na obscuridade, mas por não ter compromisso com acadêmicos do passado ou do presente, tem a liberdade para compreender à sua maneira a natureza humana e poderá ser reconhecido na posteridade, pois tem um ócio e uma independência necessários para esse reconhecimento. Nesse parágrafo, o paralelo com arte a ser traçado é com duas imagens de artistas: aquele preso à ideias pré concebidas de arte e que trabalha com o consagrado e aquele que faz sua pesquisa no mundo, para o mundo e sobre o mundo. A crítica de Schopenhauer faz pensar sobre a pesquisa sobre a natureza humana (filosófica ou artística) como uma pesquisa de observação do mundo, além dos estudos já consagrados. Na arte, essa ideia se mostra no olhar para o mundo e retrata-lo a partir de observação empírica.
Nos parágrafos 12 e 13, Schopenhauer se dedica a criticar o declínio das línguas antigas no meio erudito. Para ele, isso marca a decadência da erudição, a perca da pureza. Ele sugere um estudo aprofundado das línguas antigas a partir do ginásio e a obrigatoriedade em escrever usando-as. Aqui é possível traçar um paralelo ao academicismo e aos que veem a necessidade do uso de técnicas consolidadas. Mais do que isso:
Parega e Paraliponema foi publicado em 1851 - mais ou menos perto das vanguardas artísticas, que logo criticariam a arte engessada em técnicas consolidadas. É claro que não sugiro que tais técnicas sejam tão passíveis de uso como o latim nos dias de hoje - as técnicas não foram criadas, mas descobertas como uma maneira de ler e escrever através da linguagem visual, de maneira a capturar o olhar do espectador. Entretanto, é interessante olhar para a crítica de Schopenhauer de maneira inversa - a possibilidade de se criar uma obra de arte mesmo sem o uso de técnicas tão importantes, assim como é possível (diferentemente do que defende o filósofo) escrever e pensar filosofia sem o uso do latim. A grandeza do pensamento filósofico está na ideia e na reflexão do mundo natural, enquanto a beleza de um quadro está em sua potência visual, independente do uso das técnicas..
Pensar por si mesmo
Nos quinze parágrafos dessa seção, Schopenhauer se inclina a criticar a leitura como ocupação principal quando se é erudito. Para ele, a leitura tem papel fundamental de libertar e ocupar a mente vazia, mas não deve tomar muito tempo e nem muito espaço no pensamento de filósofo. Nesses parágrafos, Schopenhauer expõe sua opinião sobre a leitura como leitura dos pensamentos alheios - necessária quando sua fonte seca, mas é mais importante manter sua fonte cheia com questões do mundo que o cerca na vida real, não nos livros. Nesse ponto, a erudição seria um eterno repetir op que já se foi dito. Aqui ele valoriza a clareza, o fluxo e o pensamento livre diante das questões humanas e naturais. É claro que a leitura se faz necessária - é enriquecedor observar o que foi pensado antes de você -, mas isso se estende até o momento que te motiva, apenas. Depois disso, é encher com caraminholas uma cabeça que precisa pensar por si própria. Na arte, as coisas se dão da mesma maneira - conhecer a história para ver o que já foi feito e o que pode ser feito a partir daí, não para reprodução desnecessária e desenfreada. Toda linguagem se propõe questões ao longo do tempo, e o filosofar e fazer arte devem estar a disposição de responder as questões propostas e fazer mais perguntas. É impossível responder perguntas com respostas do passado. É necessário caminhar - e pensar - para frente e olhando para os lados, para o mundo, não para trás.
Sobre a escrita e o estilo
Em
A Arte de Escrever, Schopenhauer está sempre criticando a erudição como fazer pomposo, mecânico e vazio. Ao ensaiar sobre a escrita e o estilo, nada muda. Sua crítica começa diferenciando autores que escrevem por escrever e os que escrevem em função do assunto e, posteriormente, ele classifica o pensar dos autores em pensar antes de escrever, pensar durante o escrever e escrever sem pensar. Fica claro que para ele o escrever está em função do pensar - só deve ser escrito o que foi pensado e lapidado antes de ser posto em palavras, sem prolixidade e pompa no estilo. Para ele, há uma lacuna entre escritores que o fazem pela profissão e os que o fazem por honra ao seu pensar.
Do interesse para a arte, é curioso o que diz Schopenhauer no terceiro parágrafo, quando delimita a diferença entre forma e matéria e critica a escrita voltada para a forma quando, para ele, a matéria deve ser foco na escrita. É curioso, pois nas artes visuais, a forma tem tanta importância quanto a matéria, se não mais. Nas artes visuais, a forma de se falar, de se preencher a suporte, de usar o material, de esculpir a matéria... Tudo isso é, no final, sobre a potência visual, a maneira de comunicar. E tudo isso é a forma, fazendo um paralelo ao Schopenhauer. Nas artes visuais, a mensagem mais importante é a mensagem visual - e ela vem com a forma.
"Diga o que você tem que dizer como uma pessoa deste mundo". A citação de Falstaff destacada por Schopenhauer resume muito bem sua fala sobre estilo: abomina a pompa, a cópia de estilo e a prolixidade, incentivando a objetividade e incentivando
o que se tem a dizer em vantagem do estilo. É um trabalho engenhoso refletir sobre a aplicabilidade desse pensamento nas artes visuais, uma vez que estilo - não como cacoete, mas como forma - é demasiadamente importante para a leitura visual. Um viés de interpretação é perceber como estilo pode minar um artista que se prende a um trejeito estilístico e perde a habilidade de entrar em contato com outras discussões, outros conteúdos e outras motivações artísticas. O estilo, como crítica Schopenhauer, torna-se um problema na arte quando deixa de ser uma ferramenta para se dizer algo e torna-se um vício de linguagem.
"A verdade fica mais bonita nua, e a impressão que ela causa é mais profunda quanto mais simples sua expressão. [...] Tudo o que é dispensável tem efeito desvantajoso. A lei da simplicidade e da ingenuidade, já que essas qualidades combinam com o que há de mais sublime, vale para todas as belas artes."
Mais adiante, Schopenhauer fala sobre a economia de palavras, criticando-as. Para ele, não é que pouco deve ser dito, mas sim o suficiente. Ele abomina a economia que mata a obra e a matéria. A concisão não deve ser o sacrifício de um ponto de um pensamento. Seguindo pelo pensamento do uso da linguagem, Schopenhauer reflete sobre a gramática, tendo a como obra de arte. Nesse momento, entra em transe com seu deleite sobre o estudo e a classificação da língua, colocando-o como ferramente necessária para organização do pensamento e da expressão humana. Ora, e não é o mesmo nas artes visuais? Embora Schopenhauer seja azucrinhante e ríspido em seus escritos, a reflexão da gramática de uma linguagem traz a ruminação sobre esses estudos que facilitam a expressão e libertam o dizer e o desenhar (
disegno). Para mim, é um ponto cativante dos ensaios desse livro: entender a gramática não como inimiga ou como regra a ser seguida, mas como estudo libertador.
Sobre a leitura e os livros
Uma reflexão sobre a qual Schopenhauer vai e volta é a ideia da leitura como ler o pensamento dos outros e o perigo de ficar preso nesse ciclo. Essa meditação me fez pensar sobre a diferença da leitura visual e da leitura literária. Na leitura literária, o leitor está diretamente ligado ao pensamento do autor, está mais refém do raciocínio de quem escreve e está mais passível a reproduzir pensamentos do escritor. Na linguagem visual, entretanto, o trabalho do artista é sempre instigador. É claro que há um recorte, assim como há na escrita. Mas as coisas são menos óbvias na linguagem visual - o espectador é sempre instigado a conversar com a obra para tentar internaliza-la e trazer um significado
mundano para uma obra que está numa linguagem difícil de se inserir, de maneira prática, no dia a dia das pessoas.
Ainda na reflexão de ler escritos dos outros, Schopenhauer destaca a importância da ruminação de ideias - que pode ser minada com a leitura desenfreada e com o excesso de informação erudita. Nas artes, isso se aplica na ideia de ruminar ideias do mundo além das artes, além do academicismo. Para Schopenhauer, a leitura de autores com determinadas qualidades não invoca uma nova no leitor mas pode despertar algo latente. E se não tem nada latente, apenas o mundo pode plantar uma semente - o trabalho da leitura será o de despertar, apenas.
Sobre a linguagem e as palavras
"A voz dos animais serve apenas para unicamente para expressar a vontade, em suas excitações e movimentos, mas a voz humana também serve para expressar o conhecimento."
Aqui parece ser o momento mais difícil de traçar paralelos entre a linguagem escrita e a linguagem visual. Entretanto, os parágrafos desse tópico são estritamente ligados ao pensar sobre a linguagem e, sendo assim, também sobre a linguagem escrita. Schopenhauer começa trazendo uma reflexão acerca do desenvolvimento da linguagem, levantando a hipótese da linguagem como uma semente que cresce e se desenvolve de acordo com suas necessidades, sempre se aperfeiçoando.
No terceiro parágrafo, Schopenhauer ensaia sobre a unicidade de cada língua e como o aprender diferentes línguas enriquece a mente humana. Esse ponto é crucial para entender a arte e a linguagem visual como uma linguagem rica, singular e enriquecedora do espírito. Para explicar seu ponto (tratando de línguas estrangeiras), Schopenhauer discorre sobre a unicidade que ocorre em diferentes línguas: como peculiaridades em palavras, adjetivos, substantivos, prefixos, morfemas, fonemas, entre outras unidades linguísticas, fazem com que casa língua enriqueça o espírito do estudioso. Ora, e é claro que isso se aplica às artes visuais, em suas diferentes manifestações. E é necessário entender isso para não cair na vertigem de comparar diferentes obras de linguagens diferentes com algum tipo de juízo valor. Cada obra merece ser lida à sua maneira.
Ao falar sobre linguagem, Schopenhauer se dedica a criticar a tradução como um desfavor ao escrito original. Mesmo que ele tenha seus devidos pontos, cabem discordâncias, principalmente no mundo pós moderno globalizado. Mas o importante é perceber como a linguagem visual - o mais puramente visual, mais verdade isso se torna - não precisa de tradução para enriquecer integralmente um espírito. E isso é, decerto, uma das coisas mais místicas que envolve o ver, o fazer artístico e a apreciação de arte. Mesmo que a linguagem visual também conte com conceitos únicos a cada unidade (na linguagem falada e escrita, isso se aplica a palavras), nada é necessário de se traduzir.
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| Mira Schendel, Alle, 1965 |
"Há duas histórias: a política e a da literatura e da arte. A primeira é a história da vontade, a segunda, do intelecto. É por isso que a primeira geralmente é angustiante: medo, necessidade, engano e assassinatos horríveis em massa. A outra, em contrapartida, é agradável e jovial, assim como o intelecto isolado, mesmo quando descreve erros e descaminhos."